terça-feira, 30 de setembro de 2008

REVOLTA DA CULPA

Sinto em mim a contradição do tempo
Misturada com a tristeza do teu olhar
Parto à conquista das estrelas
Para esquecer
O que dentro de mim
Te faz amar
Jogo ao infinito
O meu coração
De pedra
Teu nome
morde-me os lábios
de beijos sensuais
Sinto-me pedra
Ao olhar-me nos teus olhos
Quero sentir-te eu
Do eu que sou ao
Que não quis ser
Mas sou
Fujo de mim
Sinto raízes crescer
dentro do meu ser
E enquanto sou o que não sou
Tu foges-me
Quero abrir com machados as fronteiras
Do tempo e do espaço
Quebrar barreiras
E partir no teu braço
Feito nuvem de fumo
Ou miragem do deserto
Estou louco
Eu parti numa viagem circular
À procura do regresso
do teu olhar
As nuvens voavam alto
Mais longe esmeraldas de prata
Acenavam-me!
Sinto a traição dos meus beijos
A loucura do meu ser.
E a ironia do mar
reflectia olhos de cristal...

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

SONETO DE VÉSPERA

Quando chegares e eu te vir chorando
De tanto te esperar, que te direi?
E da angústia de amar-te, te esperando
Reencontrada, como te amarei?

Que beijo teu de lágrima terei
Para esquecer o que vivi lembrando
E que farei da antiga mágoa quando
Não puder te dizer porque chorei?

Como ocultar a sombra em mim suspensa
Pelo martírio da memória imensa
Que a distância criou - fria de vida

Imagem tua que eu compus serena
Atenta ao meu apelo e à minha pena
E que quisera nunca mais perdida...

Vinicius de Moraes - Obras Completas

SONETO DO AMOR TOTAL

Amo-te tanto, meu amor...não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente,
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim muito amiúde,
É que um dia em teu corpo de repente
Hei-de morrer de amar mais do que pude.

Vinicius de Moraes - Obras Completas

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Alma Perdida

Toda esta noite o rouxinol chorou,
Gemeu, rezou, gritou perdidamente!
Alma de rouxinol, alma de gente,
Tu és, talvez, alguém que se finou!

Tu és, talvez, um sonho que passou,
Que se fundiu na Dor, suavemente...
Talvez sejas a alma, a alma doente
Dalguém que quis amar e nunca amou!

Toda a noite choraste... e eu chorei
Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei
Que ninguém é mais triste do que nós!

Contaste tanta coisa à noite calma,
Que eu pensei que tu eras a minh'alma
Que chorasse perdida em tua voz!...

Sonetos - Florbela Espanca