domingo, 13 de dezembro de 2015

NOITE QUE ME SOBRA


Queria traduzir os silêncios
que te brotam entre os dedos,
enganar os compassos mortos,
soltar as vontades presas
e costuradas no parapeito do coração.

Queria beijar essa boca
que só em prova se sente,
chover no molhado do teu cheiro
e acender o fogo que sopra o amor
na ternura dos lençóis de cetim.

Queria fazer outro caminho
contigo, e no teu corpo,
soltar os poros da alma
e colher frutos de êxtase
num pomar de carinho.

Queria amanhecer contigo
e nas brechas do desalinho do tempo
dissolver o sono que me roubas,
porque… é tanta a noite
que me sobra nos braços!


ANTÓNIO CARLOS SANTOS,

in DA GEOMETRIA DO AMOR (Seda Publicações, 2015)

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

TOCA-ME

Toca-me meu amor
como se fora guitarra
Toca-me com amor
com corpo e com garra!
Faz das minhas veias cordas
e tange-as devagar
como fora meu corpo
para o despir...
para o beijar...
Ele geme muito baixinho!
cada acorde um beijo meu
cada nota uma saudade
de um doce carinho teu
Já faz tempo que te foste!
e meu Deus como sofri
Desse sítio não se volta
contigo também morri
A guitarra encostada nunca mais tocou…coitada
Mas fala sempre de ti!
e à noite ou à tardinha…vem às vezes andorinha
A lembrar-me o que esqueci
Muito caminho já fiz e outras guitarras escutei...
Mas um carinho tão grande 
uma música tão pura ainda não ouvi
E a guitarra meu amor eu nunca mais toquei.




MARGARIDA CIMBOLINI, in ARTE POESIA (Edições Oz Edy, 2015)

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Regresso sempre a ti...

Regresso sempre a ti, sempre que te penso
regresso ao lugar dos abraços inocentes
e se por acaso não te encontrar no calor das tardes de verão
haverei sempre de te encontrar no coração da poesia.

Regresso a ti, como tu me regressas de cada vez que ouço a nossa canção
de cada vez que as andorinhas cantam novas melodias na primavera.

Regresso ati e tu regressas-me no coração do poema
no silêncio das palavras que nunca fui capaz de te dizer.

SÃO GONÇALVES, in O SILENCIOSO CANTO DAS AVES MIGRATÓRIAS (a publicar)

terça-feira, 29 de setembro de 2015

ESPERANÇA


Naveguei por afluentes do teu corpo
Desaguei numa enseada de águas
Remoinhos de desejos.

Pairei nesse teu mar
Doce, quente e profundo
Na esperança de ancorar

Esperei
Amei
Até o tempo me deixar.



JOSÉ GABRIEL DUARTE, in O OUTRO LADO DE MIM (Chiado Ed., 2012)


quinta-feira, 24 de setembro de 2015

TOCA-ME


Sê em mim o começo
a alegria e a festa
Toca-me de leve
como um sopro
para que me incendeie
e te ilumine de raios
tempestades, emoções
Rouqueja-me os sons
do teu absoluto
e morre comigo
desta vez



EDGARDO XAVIER, in CORPO DE ABRIGO (Tema Originais, 2011)

O TEU RISO


Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas
não me tires o teu riso.


Não me tires a rosa,
a flor de espiga que desfias,
a água que de súbito
jorra na tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.


A minha luta é dura e regresso
por vezes com os olhos
cansados de terem visto
a terra que não muda,
mas quando o teu riso entra
sobe ao céu à minha procura
e abre-me todas
as portas da vida.


Meu amor, na hora
mais obscura desfia
o teu riso, e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso será para as minhas mãos
como uma espada fresca.


Perto do mar no outono,
o teu riso deve erguer
a sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero o teu riso como
a flor que eu esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.


Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
curvas da ilha,
ri-te deste rapaz
desajeitado que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando os meus passos se forem,
quando os meus passos voltarem,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas o teu riso nunca
porque sem ele morreria.


PABLO NERUDA, in POEMAS DE AMOR DE PABLO NERUDA


Trad. de Nuno Júdice-Ed. bilingue (Dom Quixote, 2010)

sábado, 19 de setembro de 2015

O meu amor não cabe num poema



O meu amor não cabe num poema - há coisas assim,
que não se rendem à geometria deste mundo;
são como corpos desencontrados da sua arquitectura
ou quartos que os gestos não preenchem.

O meu amor é maior que as palavras; e daí inútil
a agitação dos dedos na intimidade do texto -
a página não ilustra o zelo do farol que agasalha as baías
nem a candura da mão que protege a chama que estremece.


O meu amor não se deixa dizer - é um formigueiro
que acode aos lábios como a urgência de um beijo
ou a matéria efervescente dos segredos; a combustão
laboriosa que evoca, à flor da pele, vestígios
de uma explosão exemplar: a cratera que um corpo,
ao levantar-se, deixa para sempre na vizinhança de outro corpo.

O meu amor anda por dentro do silêncio a formular loucuras
com a nudez do teu nome - é um fantasma que estrebucha
no dédalo das veias e sangra quando o encerram em metáforas.
Um verso que o vestisse definharia sob a roupa
como o esqueleto de uma palavra morta. Nenhum poema
podia ser o chão da sua casa.


Maria do Rosário Pedreira, in Poesia Reunida, Quetzal poesia, 2012, 1ª ed., p. 94

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Confidência


Diz o meu nome
pronuncia-o
como se as sílabas te queimassem os lábios
sopra-o com suavidade
para que o escuro apeteça
para que se desatem os teus cabelos
para que aconteça

Porque eu cresço para ti
sou eu dentro de ti
que bebe a última gota
e te conduzo a um lugar
sem tempo nem contorno

Porque apenas para os teus olhos
sou gesto e cor
e dentro de ti
me recolho ferido
exausto dos combates
em que a mim próprio me venci

Porque a minha mão infatigável
procura o interior e o avesso
da aparência
porque o tempo em que vivo
morre de ser ontem
e é urgente inventar
outra maneira de navegar
outro rumo outro pulsar
para dar esperança aos portos
que aguardam pensativos
No húmido centro da noite
diz o meu nome
como se eu te fosse estranho
como se fosse intruso
para que eu mesmo me desconheça
e me sobressalte
quando suavemente
pronunciares o meu nome

Mia Couto

No livro “Raiz de Orvalho e Outros Poemas”

Estou mais perto de ti porque te amo.

Estou mais perto de ti porque te amo.
Os meus beijos nascem já na tua boca.
Não poderei escrever teu nome com palavras.
Tu estás em toda a parte e enlouqueces-me.


Canto os teus olhos mas não sei do teu rosto.
Quero a tua boca aberta em minha boca.
E amo-te como se nunca te tivesse amado
porque tu estás em mim mas ausente de mim.


Nesta noite sei apenas dos teus gestos
e procuro o teu corpo para além dos meus dedos.
Trago as mãos distantes do teu peito.


Sim, tu estás em toda a parte. Em toda a parte.
Tão por dentro de mim. Tão ausente de mim.
E eu estou perto de ti porque te amo.


Joaquim PESSOA, in OS OLHOS DE ISA [edição especial, Litexa Editora (1983)]; O POETA ENAMORADO (Ed. Esgotadas, 2015)

sábado, 12 de setembro de 2015

Poesia da Semana: "O Teu Riso" (Pablo Neruda )

Your Love - ENNIO MORRICCONE & DULCE PONTES

Bob Marley - Is this Love

Aproximo-me da noite
o silêncio abre os seus panos escuros
e as coisas escorrem
por óleo frio e espesso

Esta deveria ser a hora
em que me recolheria
como um poente
no bater do teu peito
mas a solidão
entra pelos meus vidros
e nas suas enlutadas mãos
solto o meu delírio

É então que surges
com teus passos de menina
os teus sonhos arrumados
como duas tranças nas tuas costas
guiando-me por corredores infinitos
e regressando aos espelhos
onde a vida te encarou

Mas os ruídos da noite
trazem a sua esponja silenciosa
e sem luz e sem tinta
o meu sonho resigna

Longe
os homens afundam-se
com o caju que fermenta
e a onda da madrugada
demora-se de encontro
às rochas do tempo

Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"

JÁ NÃO HÁ DOMINGOS


Todas as vidas gastei
para morrer contigo.
E agora
esfumou-se o tempo
e perdi o teu passo
para além da curva do rio.
Rasguei as cartas.
Em vão: o papel restou intacto.
Só os meus dedos murcharam, decepados.
Queimei as fotos.
Em vão: as imagens restaram incólumes
e só os meus olhos se desfizeram, redondas cinzas.
Com que roupa
vestirei minha alma
agora que já não há domingos?
Quero morrer, não consigo.
Depois de te viver
não há poente
nem o enfim de um fim.
Todas as mortes gastei
para viver contigo.


Mia Couto

COM A TUA LETRA


Porque eu amo-te, quer dizer, estou atento
às coisas regulares e irregulares do mundo.
Ou também: eu envio o amor
sob a forma de muitos olhos e ouvidos
a explorar, a conhecer o mundo.

Porque eu amo-te, isto é, eu dou cabo
da escuridão do mundo.
Porque tudo se escreve com a tua letra.


FERNANDO ASSIS PACHECO, in A MUSA IRREGULAR (Assírio & Alvim, 2006)

NÃO POSSO ADIAR O AMOR PARA OUTRO SÉCULO



Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob as montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas


Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes amor e ódio
Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação

Não posso adiar o coração.

ANTÓNIO RAMOS ROSA, 
in VIAGEM ATRAVÉS DUMA NEBULOSA (1960) e ANTOLOGIA POÉTICA (Publ. D. Quixote, 2001)

Seria o Amor Português


Muitas vezes te esperei, perdi a conta, 
longas manhãs te esperei tremendo 
no patamar dos olhos. Que me importa 
que batam à porta, façam chegar 
jornais, ou cartas, de amizade um pouco 
— tanto pó sobre os móveis tua ausência. 

Se não és tu, que me pode importar? 
Alguém bate, insiste através da madeira, 
que me importa que batam à porta, 
a solidão é uma espinha 
insidiosamente alojada na garganta. 
Um pássaro morto no jardim com neve. 

Nada me importa; mas tu enfim me importas. 
Importa, por exemplo, no sedoso 
cabelo poisar estes lábios aflitos. 
Por exemplo: destruir o silêncio. 
Abrir certas eclusas, chover em certos campos. 
Importa saber da importância 
que há na simplicidade final do amor. 
Comunicar esse amor. Fertilizá-lo. 
«Que me importa que batam à porta...» 
Sair de trás da própria porta, buscar 
no amor a reconciliação com o mundo. 

Longas manhãs te esperei, perdi a conta. 
Ainda bem que esperei longas manhãs 
e lhes perdi a conta, pois é como se 
no dia em que eu abrir a porta 
do teu amor tudo seja novo, 
um homem uma mulher juntos pelas formosas 
inexplicáveis circunstâncias da vida. 

Que me importa, agora que me importas, 
que batam, se não és tu, à porta? 

Fernando Assis Pacheco, in “A Musa Irregular” 

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Amo-te Muito, Meu Amor, e Tanto



Amo-te muito, meu amor, e tantoque, ao ter-te, amo-te mais, e mais ainda
depois de ter-te, meu amor. Não finda
com o próprio amor o amor do teu encanto.


Que encanto é o teu? Se continua enquanto
sofro a traição dos que, viscosos, prendem,
por uma paz da guerra a que se vendem,
a pura liberdade do meu canto,
um cântico da terra e do seu povo,
nesta invenção da humanidade inteira
que a cada instante há que inventar de novo,
tão quase é coisa ou sucessão que passa...

Que encanto é o teu? Deitado à tua beira,
sei que se rasga, eterno, o véu da Graça.



JORGE DE SENA, in POESIA (Ed. 70, 1988)

sexta-feira, 19 de junho de 2015

«Pergunta-me»

Pergunta-me
se ainda és o meu fogo
se acendes ainda
o minuto de cinza
se despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore do meu sangue

Pergunta-me
se o vento não traz nada
se o vento tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fúria
e o tropel de mil cavalos

Pergunta-me
se te voltei a encontrar
de todas as vezes que me detive
junto das pontes enevoadas
e se eras tu
quem eu via
na infinita dispersão do meu ser
se eras tu
que reunias pedaços do meu poema
reconstruindo
a folha rasgada
na minha mão descrente

Qualquer coisa
pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que te quero dizer

Mia Couto, in 'Raiz de Orvalho'


quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

A escrita é a minha primeira morada de silêncio


A escrita é a minha primeira morada de silêncio
a segunda irrompe do corpo movendo-se por trás das palavras
extensas praias vazias onde o mar nunca chegou
deserto onde os dedos murmuram o último crime
escrever-te continuamente... areia e mais areia
construindo no sangue altíssimas paredes de nada
esta paixão pelos objectos que guardaste
esta pele-memória exalando não sei que desastre
a língua de limos
espalhávamos sementes de cicuta pelo nevoeiro dos sonhos
as manhãs chegavam como um gemido estelar
e eu perseguia teu rasto de esperma à beira-mar
outros corpos de salsugem atravessam o silêncio
desta morada erguida na precária saliva do crepúsculo

***

Al Berto (1948 - 1997)

Coimbra (Portugal)

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Saudades


Saudades! Sim.. talvez.. e por que não?...

Se o sonho foi tão alto e forte

Que pensara vê-lo até à morte

Deslumbrar-me de luz o coração!



Esquecer! Para quê?... Ah, como é vão!

Que tudo isso, Amor, nos não importe.

Se ele deixou beleza que conforte

Deve-nos ser sagrado como o pão.



Quantas vezes, Amor, já te esqueci,

Para mais doidamente me lembrar

Mais doidamente me lembrar de ti!



E quem dera que fosse sempre assim:

Quanto menos quisesse recordar

Mais saudade andasse presa a mim!



Florbela Espanca, "Livro de Sóror Saudade"

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Os Teus Olhos

"Direi verde 

do verde dos teus olhos 

de um rugoso mais verde 
e mais sedento 

Daquele não só íntimo 
ou só verde 

daquele mais macio    mais ave 
ou vento 

Direi vácuo 
          volume 
direi vidro 

Direi dos olhos verdes 
os teus olhos 
e do verde dos teus olhos direi vício 

Voragem mais veloz 
mais verde 
            ou vinco 
voragem mais crispada 
ou precipício"

Maria Teresa Horta, in 'Candelabro' 

Morrer de Amor



"Morrer de amor

ao pé da tua boca


Desfalecer

à pele

do sorriso


Sufocar

de prazer

com o teu corpo


Trocar tudo por ti

se for preciso"

Maria Teresa Horta