sábado, 20 de outubro de 2012

Não Posso Adiar O Amor Para Outro Século

Não posso adiar o amor para outro século 

não posso

ainda que o grito sufoque na garganta

ainda que o ódio estale e crepite e arda

sob as montanhas cinzentas

e montanhas cinzentas



Não posso adiar este abraço

que é uma arma de dois gumes amor e ódio

Não posso adiar

ainda que a noite pese séculos sobre as costas

e a aurora indecisa demore

não posso adiar para outro século a minha vida

nem o meu amor

nem o meu grito de libertação



Não posso adiar o coração.


ANTÓNIO RAMOS ROSA

in VIAGEM ATRAVÉS DUMA NEBULOSA (1960) 

e ANTOLOGIA POÉTICA 

 (Publ. D. Quixote, 2001)

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Gostava de morar na tua pele...



Gostava de morar na tua pele
desintegrar-me em ti e reintegrar-me
não este exílio escrito no papel
por não poder ser carne em tua carne.

Gostava de fazer o que tu queres
ser alma em tua alma em um só corpo
não o perto e o distante entre dois seres
não este haver sempre um e sempre o outro.

Um corpo noutro corpo e ao fim nenhum
tu és eu e eu sou tu e ambos ninguém
seremos sempre dois sendo só um.

Por isso esta ferida que faz bem
este prazer que dói como outro algum
e este estar-se tão dentro e sempre aquém.

Manuel Alegre in "Sete Sonetos e Um Quarto"

Canção Mínima


No mistério do sem-fim

equilibra-se um planeta.



E, no planeta, um jardim,

e, no jardim, um canteiro;

no canteiro uma violeta,


e, sobre ela, o dia inteiro,

entre o planeta e o sem-fim,

a asa de uma borboleta.


Cecília Meireles