sexta-feira, 24 de julho de 2009

FLOR SINGELA

Linda flor que nos jardins
Fôrça de arte cultivou,
Tem dobrada a folha, o cheiro
Mas de fructo se privou.

Passa abelha diligente,
E admirou tanto primor;
Mas para os favos o nectar,
Vae buscal-o a outra flor.

Singelinha de três folhas
Co'a musqueta deparou,
E em seu calix meio-aberto
Oh que thesouro encontrou!

Como a abelha diligente
Que busca a singela flor,
Um singelo coração
Também só procura amor.


Almeida Garrett (Paris 1833) in Lìrica Completa
Arcádia, Lisboa 1971

quarta-feira, 22 de julho de 2009

DESENCANTO

Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias, Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

_ Eu faço versos como quem morre.

Manuel Bandeira (Teresópolis, 1912) Obras Poéticas
Editorial Minerva - Lisboa

SAUDADE

SECULOS são, na vida que enfastia,
Estes dias de exilio amargurados;
Um por um, mágoa a mágoa, vão contados
Em lenta e cruelissima agonia.

Oh! roubemos-lhe ao menos este dia,
Ao padecer que todos trás roubados;
Sejam pela amizade consagrados
Ao casto amor instantes de alegria.

Tem prazeres também a desventura:
A propria carrancuda adversidade
Sorri co'a esp'rança que lhe luz futura.

Vem, amigo, no seio da amizade
Festeja a espôsa, sonha co'a ventura
Que um dia hade matar tanta saudade.

Almeida Garrett (Londres 1828) Lírica Completa
Arcádia

terça-feira, 21 de julho de 2009

A FLOR SECCA

Vae, flor gentil, vae prenda suspirada,
Doce mimo de amor terno e fagueiro,
Vae, que elle mesmo grato e prazenteiro
Elle te hade levar á minha amada.

Cumpre a que ella te impoz, que é lei sagrada:
Se mudada te achar, sem côr, sem cheiro,
Se o viço, a gala do verdor primeiro
Em tuas pallidas folhas vir crestada.

Diz'-lhe que mais que a ti, mais me queimara
O intenso ardor d'aquella saudade
Que a ambos n'este estado nos deixara.

Oh! se um benigno influxo de piedade
De seus formosos olhos te orvalhára...
Qual de nós ambos reviver não hade?

Almeida Garrett (Porto, 1819) Lírica Completa
Arcádia

I DREAMED A DREAM

Eu tive um sonho
Houve um tempo quando os homens eram amáveis
Quando as suas vozes eram suaves
E as suas palavras convidativas
Houve um tempo quando o amor era cego
E o mundo era uma canção
E a canção era excitante
Houve um tempo... então deu tudo errado
Eu tive um sonho num tempo que já se foi
Quando esperanças eram elevadas e valia a pena viver
Eu sonhei que o amor nunca morreria
Eu sonhei que Deus estaria perdoando
Então eu era jovem e destemida
Quando sonhos eram feitos e usados e perdidos
Não havia nenhum resgate a ser pago
Nenhuma canção desconhecida, nenhum vinho intocado
Mas os tigres chegaram à noite
Com as suas vozes suaves como trovão
Tal como eles rasgam a sua esperança em pedaços
Tal como eles transformam os seus sonhos em vergonha
Ele dormiu um Verão ao meu lado
Ele encheu meus dias de maravilha infinita
Ele fez da minha infância o seu êxito
Mas ele se foi quando o Outono chegou
E ainda sonho com ele vindo até mim
E nós viveríamos juntos os anos
Mas há sonhos que não podem acontecer
E há tempestades que não podem desafiar
Eu tive um sonho
Que a minha vida iria ser
Tão diferente deste inferno que estou a viver
Tão diferente agora do que parecia
Agora a vida matou o sonho que tive
Eu sonhei

(I dreamed a dream - Trecho musical de Os Miseráveis")
Trad. desconhecido)

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Ausência

"Quero dizer-te uma coisa simples: a tua

Ausência dói-me. Refiro-me a essa dor que não

Magoa, que se limita à alma; mas que não deixa,

Por isso, de deixar alguns sinais - um peso

Nos olhos, no lugar da tua imagem, e

Um vazio nas mãos, como se as tuas mãos lhes

Tivessem roubado o tacto. São estas as formas

Do amor, podia dizer-te; e acrescentar que

As coisas simples também podem ser complicadas,

Quando nos damos conta da diferença entre o sonho e a realidade.

Porém, é o sonho que me traz a tua memória; e a

Realidade aproxima-me de ti, agora que

Os dias correm mais depressa, e as palavras

Ficam presas numa refracção de instantes,

Quando a tua voz me chama de dentro de

Mim - e me faz responder-te uma coisa simples,

Como dizer que a tua ausência me dói."


Nuno Júdice,
in Pedro Lembrando Inês (2002)

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Este amor

"Este amor
Tão violento
Tão frágil
Tão terno
Tão desesperado
Este amor
Belo como o dia
E mau como o tempo"



Jacques Prévert
Retirado de:
http://infinito-pessoal.blogspot.com/