quinta-feira, 7 de maio de 2009

El amor

"Qué tienes, qué tenemos,
qué nos pasa?
Ay, nuestro amor es una cuerda dura
que nos amarra hiriéndonos
y si queremos
salir de nuestra herida,
separarnos,
nos hace un nuevo nudo y nos condena
a desangramos y quemarnos juntos.

Qué tienes? Yo te miro
y no hallo nada en ti sino dos ojos
como todos los ojos, una boca
perdida entre mil bocas que besé, más hermosas,
un cuerpo igual a los que resbalaron
bajo mi cuerpo sin dejar memoria.

Y qué vacía por el mundo ibas
como una jarra de color de trigo
sin aire, sin sonido, sin substancia!
Yo busqué en vano en ti
profundidad para mis brazos
que excavan, sin cesar, bajo la tierra:
bajo tu piel, bajo tus ojos
nada,
bajo tu doble pecho levantado
apenas
una corriente de orden cristalino
que no sabe por qué corre cantando.
Por qué, por qué, por qué,
amor mío, por qué?"


Pablo Neruda

terça-feira, 5 de maio de 2009

ROSA MÍSTICA

Hour of love
Byron. Parisina
Do pôr-do-Sol àquela luz sagrada,
Eu perdia-me... ó hora doce e breve!...
Meu peito junto ao seu colo de neve,
- Numa contemplação vaga e elevada
Nossas almas s'erguiam, como deve
Erguer-se uma alma à Luz afortunada.
Do mar se ouvia a grande voz chorada.
- Palpitavam as pombas no ar leve.
Eu então perguntei-lhe, baixo e brando:
Em que mundos de luz é que caminhas?
Que torre está tua alma arquitectando?...
- Ela, travando as suas mãos das minhas,
Me disse, ingénua, então: - Estou cismando
No que dirão, no ar, as andorinhas.
Gomes Leal in Claridades do Sul
Assírio & Alvim

segunda-feira, 4 de maio de 2009

A CASINHA BRANCA DO VALE

Meu amor! meu amor! os meus desejos
são ver-te junto a mim...
estreitando-me ao peito, em rubros beijos,
no relvoso capim.
E, quando o vento agita as laranjeiras
pelas tardes de estio...
ouvir chilrar as aves nas balseiras,
ou lastimar-se o rio.
Meu amor! meu amor! casta andorinha,
o meu desejo era
ter, entre os laranjais, uma casinha
cheia de folhas de hera,
uma casinha branca... com parreiras...
cheia d'aves e flores,
- toda ornada de róseas trepadeiras, -
róseo ninho de amores!...
Nas telhas cor de grã ou nas janelas,
rolas e pombos vários...
e em gaiolas, doiradas como estrelas,
mil trinos de canários.
As aves tropicais, que têm nas penas
arco-íris multicolores...
casarão as cantigas mais amenas
às essências das flores.
O laranjal cheiroso e as araucárias
crescerão à porfia:
e a begónia unirá suas cores várias
à fúcsia macia.
De manhã, pela relva inda orvalhada,
veremos os renovos...
iremos lançar grãos à passarada,
e aos estorninhos novos.
Fartaremos as ágeis andorinhas,
pousadas sobre a tília,
- sem esquecer as patriarcais galinhas,
boas mães de família!...
À tardinha, entre a roxa bouganville,
dos bons caramanchéis,
tu bordarás os teus bordados mil...
- Eu, livros e papéis.
Migalhas deitaremos aos milheiros
aos cisnes, na água clara,
afagaremos nossos cães rafeiros...
- mais a pomposa arara.
Toda a casinha branca, entre os gorjeios,
no poente cor de brasas...
será risos, trinados, garganteios:
- Toda plantas e asas! -
Enquanto, nos palácios brasonados
de sessenta janelas,
passeiam torvos, lívidos Cuidados,
de olheiras amarelas...
nossas risadas, quais pandeiros d'oiro,
logo, ao romper do dia...
farão sorrir a giesta, o cacho loiro,
e a vivaz cotovia.
E, quando o pardo cão estruge o val',
com uivo aterrador,
ou que prateia a rama do olival
a estrela do pastor...
os zagais, ao entoar branda harmonia,
na flauta agreste e franca,
dirão: - É noite para nós, mas dia,
lá na casinha branca!...
Gomes Leal in Claridades do Sul
Assírio e Alvim

domingo, 3 de maio de 2009

BOM-DIA, MÃE!

Bom-Dia, Mãe!
Senta-te ao meu lado, que eu vou contar-te a viagem que eu fiz. Dá-me a tua mão para que eu a conte bem!
Dei a volta ao mundo, fiz o itinerário universal. Tudo consta do meu diário íntimo onde é memorável a viagem que eu fiz desde o universo até ao meu peito quotidiano. Vim de muito longe até ficar dentro do meu próprio peito e defendido pelo meu próprio corpo.
Durante a viagem encontrei tudo disposto de antemão para que nunca me apartasse dos meus sentidos. E assim aconteceu sempre desde aquele dia inolvidável em que reparei que tinha olhos da minha própria cara. Foi precisamente nesse dia inolvidável que eu soube que tudo o que há no universo podia ser visto com os dois olhos que estão na nossa própria cara. Não foi, portanto, sem orgulho que constatei que era precisamente por causa de cada um de nós que havia o universo.
E assim foi que todas as coisas que a princípio me pareciam tão estranhas começaram logo desde esse dia inolvidável a dirigirem-se-me e a interrogarem-me, quando ainda ontem era eu que lhes perguntava tudo. Foi-me fácil compreender que o universo era precisamente o resultado de haver quem tivesse olhos na própria cara. Muito maior foi o meu orgulho , portanto, quando tive a certeza de que hoje o universo esperava ansiosamente por cada um de nós. Ontem, cada um de nós viajava por todas as partes do universo, com aquele desejo legítimo de se encontrar, e se a viagem demorou mais do que devia é porque não seria fácil acreditar imediatamente que cada um de nós estava , na verdade, em todas as partes do universo. Confesso que pude supor logo de entrada que o papel de que seríamos incumbidos cá na terra fosse precisamente o mais importante de todos.
Ainda ontem o universo me parecia um gigante colossal capaz de me atropelar sem querer; e enquanto eu procurava a maneira de não ficar espezinhado pelo gigante, quem poderia, Mãe!, ter-me convencido de que éramos nós próprios o gigante?
Todas as coisas do universo aonde, por tanto tempo, me procurei, são as mesmas que encontrei dentro do peito no fim da viagem que fiz pelo o universo.

Almada Negreiros in Obra Completa
Editora Nova Aguilar S.A. 1997

sábado, 2 de maio de 2009

MÃE

Mãe!
Vem ouvir a minha cabeça a contar histórias ricas que ainda não viajei! Traze tinta encarnada para escrever estas coisas! Tinta cor de sangue, sangue! verdadeiro, encarnado!
Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!
Eu ainda não fiz viagens e a minha cabeça não se lembra senão de viagens! Eu vou viajar. Tenho sede! Eu prometo saber viajar.

Quando voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um. Eu vou aprender de cor os degraus da nossa casa. Depois venho sentar-me a teu lado. Tu a coseres e eu a contar-te as minhas viagens, aquelas que eu viajei, tão parecidas com as que não viajei, escritas ambas com as mesmas palavras.
Mãe! ata as tuas mãos às minhas e dá um nó-cego muito apertado! Eu quero ser qualquer coisa da nossa casa. Como a mesa. Eu também quero ter um feitio, um feitio que sirva exactamente para a nossa casa, como a mesa.

Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!
Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade!

Almada Negreiros - in 4 poesias - Obras Completas
Editorial Estampa