sexta-feira, 31 de outubro de 2008

SE EU FOSSE...

Se eu fosse um Príncipe encantado
Teria uma varinha mágica
E faria de palavras
Música para te encantar
Quando eu for um Príncipe encantado
Hei-de ter a varinha mágica dos Poetas
Loucos
Que amam só a sentir que
Uma mulher de sonho
Há-de vir
E nunca veio

Eu sou o Príncipe encantado
Que tem uma varinha mágica
Pensada para ti
Eu sou o Príncipe encantado
Que vive dentro de ti

Raferial

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

POEMA DOS BEIJOS

... Vivamos para amar,
E deixemos de parte as sombras da velhice.
O sol desaparece e pode voltar
E nós dormiremos sempre a noite inteira
Quando a luz breve declinar!
Oh! Beija-me mil vezes - mil vezes mais!
Beija-me outras mil vezes - mil vezes mais!
Beija-me ainda mil vezes - mil vezes mais!
Depois - excedido o número de milhar,
Misturemos os beijos de tal forma
Que os não sejamos capazes de contar,
Nem algum invejoso destes beijos
Os possa cobiçar!

(Catulo) - Catulo
Coimbra Editora Lda.

LITANIA + DESPERTAR

LITANIA

O teu rosto inclinado pelo vento;
a feroz brancura dos teus dentes;
as mãos de certo modo irresponsáveis,
e contudo sombrias, e contudo transparentes;

o triunfo cruel das tuas pernas,
colunas em repouso se anoitece;
o peito raso, claro, feito de água;
a boca sossegada onde apetece

navegar ou cantar, ou simplesmente ser
a cor dum fruto, o peso duma flor;
as palavras mordendo a solidão,
atravessadas de alegria e de terror;

são a grande razão, a única razão.


DESPERTAR

É um pássaro, é uma rosa,
é o mar que me acorda?
Pássaro ou rosa ou mar,
tudo é ardor, tudo é amor.
Acordar é ser rosa na rosa,
canto na ave, água no mar.


(Eugénio de Andrade) - O Sal da Língua precedido de Trinta Poemas

domingo, 26 de outubro de 2008

O MERGULHADOR

E il naufragar m'è dolce in questo mare
Leopardi

Como, DENTRO DO MAR, libérrimos, os polvos
No líquido luar tateiam a coisa a vir
Ãssim dentro do ar, meus lentos dedos loucos
Passeiam no teu corpo a te buscar-te a ti.

És a princípio doce plasma submarino
Flutuando ao sabor de súbitas correntes
Frias e quentes, substância estranha e íntima
De teor irreal e tato transparente.

Depois teu seio é a infância, duna mansa
Cheia de alísios, marco espectral do istmo
Onde, a nudez vestida só de lua branca
Eu ia mergulhar minha face já triste.

Nele soterro a mão como a cravei criança
Noutro seio de que me lembro, também pleno...
Mas não sei... o ímpeto deste é doido e espanta
O outro me dava vida, este me mete medo.

Toco uma a uma as doces glândulas em feixes
Com a sensação que tinha ao mergulhador os dedos
Na massa cintilante e convulsa de peixes
Retiradas ao mar nas grandes redes pensas.

Ponho-me a cismar... - mulher, como expandes!
Que imensa és tu! maior que o mar, maior que a infância!
De coordenadas tais e horizontes tão grandes
Que assim imersa em amor és uma Atlântida!

Vem-me a vontade de matar em ti toda a poesia
Tenho-te em garra; olhas-me apenas; e ouço
No tato acelerar-se-me o sangue, na arritmia
Que faz meu corpo vil querer teu coprpo moço.

E te amo, e te amo, e te amo, e te amo
Como o bicho feroz ama, a morder, a fêmea
Como o mar ao penhasco onde se atira insano
E onde a bramir se aplaca e a que retorna sempre.

Tenho-te e dou-me a ti válido e indissolúvel
Buscando a cada vez, entre tudo o que enerva
O imo do teu ser, o vórtice absoluto
Onde possa colher a grande flor da treva.

Amo-te a longos pés, ainda infantis e lentos
Na tua criação; amo-te as hastes tenras
Que sobem em suaves espirais adolescentes
E infinitas, de toque eaxacto e frémito.

Amo-te os braços juvenis que abraçam
Confiantes meu criminoso desvario
E as desveladas mãos, as mãos multiplicantes
Que em cardume acompanham o meu nadar sombrio.

Amo-te o colo pleno, onda de pluma e âmbar
Onda lenta e sozinha onde se exaure o mar
E onde é bom mergulhar até romper-me o sangue
e me afogar de amor e chorar e chorar.

Amo-te os grandes olhos sobre-humanos
Nos quais, mergulhador, sondo a escura voragem
Na ânsia de descobrir, nos mais fundos arcanos
Sob o oceano, oceanos; e além, a minha imagem.

Por isso - isso e ainda mais que a poesia não ousa
Quando depois de muito mar, de muito amor
Emergindo de ti, ah, que silêncio pousa
Ah, que tristeza cai sobre o mergulhador!

Vinicius de Moraes - Poesia Completa & Prosa

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

VILANCETE DO CONDE DE VIMIOSO

Meu bem, sem vos ver,
Se vivo um dia,
Viver não queria.

Calando e sofrendo
Meu mal sem medida,
Mil mortes na vida
Sinto, não vos vendo.
E pois que, vivendo,
Morro todavia,
Viver não queria.

(Conde de Vimioso)

domingo, 19 de outubro de 2008

LES AMOUREUX TRAHIS

Moi, j'avais une lampe
et toi la lumière
Qui a vendu la mèche?

Jacques Prévert - La Pluie et le Beau Temps

sábado, 18 de outubro de 2008

"CONHEÇO O SAL..."

Conheço o sal da tua pele seca
depois que o estio se volveu inverno
da carne repousando em suor nocturno.

Conheço o sal do leite que bebemos
quando das bocas se estreitavam lábios
e o coração no sexo palpitava.

Conheço o sal dos teus cabelos negros
ou louros ou cinzentos que se enrolam
neste dormir de brilhos azulados.

Conheço o sal que resta em minhas mãos
como nas praias o perfume fica
quando a maré desceu e se retrai.

Conheço o sal da tua boca, o sal
da tua língua, o sal de teus mamilos,
e o da cintura se encurvando de ancas.

A todo o sal conheço que é só teu,
ou de mim em ti, ou é de ti em mim,
um cristalino pó de amantes enlaçados.

Jorge de Sena - Poesia - III

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

VIOLETA

Apertar-lhe, senhora, as mãos pequenas
Nunca foi logrado esse desejo;
Por bem pago me dou das minhas penas,
Se um dia a vejo!
Vê-la somente! amor desavisado!
Que já nem sei agora que mais peça;
Nem sei de extremos, ou maior agrado,
Que lhe mereça.
Quisesse a minha próspera ventura
Descobrir-lhe esta dor, que me devora;
Teria dó da minha vida escura,
Gentil senhora.
Que para mim a aurora nunca aponta,
Nem eu vejo do Sol os resplendores;
Os males meus, senhora, não têm conta,
Nem minhas dores.
Mas quando a furto a vejo, que alegria!
Mas quando a voz lhe escuto, desfaleço!
E deste padecer, que me excrucia,
Até me esqueço.
Eu não lhe imploro amor: virá somente
Entreabrir-se-me o céu formosa dama,
Se lhe ouvisse dizer com voz tremente:
«Como ele me ama!»
(Gonçalves Crespo) - Miniaturas

QUASE

Um pouco mais de sol - eu era brasa.
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num baixo mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo... e tudo errou...
- Ai a dor de ser-quase, dor sem fim... -
Eu falhei-me entre os mais, falhei-me em mim,
Asa que se elançou mas não voou...

Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...

...........................................................
..........................................................

Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

(Mário de Sá Carneiro) - Poesias

terça-feira, 14 de outubro de 2008

SONETO 97 (30-35)

Um mover de olhos, brando e piedoso,
Sem ver de quê; um riso brando e honesto,
Quase forçado; um doce e humilde gesto,
De qualquer alegria duvidoso;

Um despejo quieto e vergonhoso;
Um repouso gravíssimo e modesto;
Uma pura bondade manifesto
Indício da alma, limpo e gracioso;

Um encolhido ousar; uma brandura;
Um medo sem ter culpa; um ar sereno;
Um longo e obediente sofrimento:

Esta foi a celeste fermosura
Da minha Circe, e o mágico veneno
Que pôde transformar meu pensamento.

(Camões) - Obra Completa

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

POVOAMENTO

Não caibo nesta tarde que me desfolhas
sobre o coração. Renovam-se-me sob os passos
todos os caminhos e o dia é uma página que lida
e soletrada descubro inatingível como o vento a rua e a vida
As mesmas mãos que antes desfraldavam
domésticas insígnias abaixo dos beirais
emprestam novos pássaros às árvores
Pétala a pétala chego à corola desta minha hora
Roubo o meu ser a qualquer outro tempo
não há em mim memória de alguma morte
em nenhum outro lugar me edifiquei
Arredondas à minha volta os lábios para me dizer
recuo de repente àquele princípio que em tua boca tive
Eu sei que só tu sabes o meu nome
tentar sabê-lo foi afinal o único
esforço importante da minha vida
Sinto-me olhado e não tenho mais ser
que ser visto por ti. Há no meu ombro lugar
para o teu cansaço e a minha altura é para ser medida
palmo a palmo pela tua mão ferida

(Ruy Belo) - Todos os Poemas
(Assírio 6 Alvim - 2000)

domingo, 12 de outubro de 2008

AS MINHAS ASAS

Eu tinha umas asas brancas,
asas que um anjo me deu,
que, em me cansando da terra,
batia-as, voava ao céu.
- Eram brancas, brancas, brancas,
como as do anjo que mas deu.
Eu, inocente como elas,
por isso voava ao céu.

Veio a cobiça da terra,
vinha para me tentar;
por seus montes de tesouros
minhas asas não quis dar.
- Veio a ambição coas grandezas,
vinham para mas cortar,
davam-me poder e glória;
por nenhum preço as quis dar.

Porque as minhas asas brancas,
asas que um anjo me deu,
em me eu cansando da terra,
batia-as, voava ao céu.

Mas uma noite dem lua
que eu contemplava as estrelas,
e já suspenso da terra
ia voar para elas,
- deixei descair os olhos
do céu alto e das estrelas...
Vi, entre a névoa da terra,
outra luz mais bela que elas.

E as minhas asas brancas,
asas que um anjo me deu,
para a terra me pesavam,~
já não se erguiam ao céu.

Cegou-me essa luz funesta
de enfeitiçados amores...
Fatal amor, negra hora
foi aquela hora de dores!
- Tudo perdi nessa hora
que provei nos seus amores,
o doce fel do deleite,
o acre prazer das dores.

E as minhas asas brancas,
asas que um anjo me deu,
pena a pena me cairam...
Nunca mais voei ao céu.

(Almeida Garrett) - Flores sem Fruto

AMOR EM FORMA DE POEMA

Amor
Sentimento ou paixão
Afecto
Inclinação
Desejo de encantar
Que vem de amar
O ser
Objecto da nossa afeição
Digno de ser amado
Amor perfeito
Amorável
Encantador
Sentimento maciinho
Amoroso
Captativo, oblativo
Conjugal ou possessivo
Fofinho
É sempre assim
Maravilhoso

TAMBÉM ESTE CREPÚSCULO

Também este crepúsculo nós perdemos.
Ninguém nos viu hoje à tarde de mãos dadas
enquanto a noite azul caía sobre o mundo.

Olhei da minha janela
a festa do poente nas encostas ao longe.

Às vezes como uma moeda
acendia-se um pedaço de sol nas minhas mãos.

Eu recordava-te com a alma apertada
por essa tristeza que tu me conheces.

Onde estavas então?
Entre que gente?
Dizendo que palavras?
Por que vem até mim todo o amor de repente
quando me sinto triste, e te sinto tão longe?

Caiu o livro em que sempre pegámos ao crepúsculo
e como cão ferido rodou minha capa aos pés.

Sempre, sempre te afastas pela tarde
para onde o crepúsculo corre apagando estátuas.

(Pablo Neruda) Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada
(Trad. Fernando Assis Pacheco)

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

REFLEXÕES 2

nunca escrevi um poema de amor
excepto hoje
que te beijei
nunca escrevi uma canção de amor
excepto hoje
que senti teu coração
nunca escrevi música de amor
excepto hoje
que suguei teu seio
nunca escrevi Amor
escepto hoje
que te amei