segunda-feira, 22 de junho de 2009

"Dei-te os dias, as horas e os minutos
Destes anos de vida que passaram;
Nos meus versos ficaram
Imagens que são máscaras
anónimas
Do teu rosto proibido;
A fome insatisfeita que senti
Era de ti,
Fome do instinto que não foi ouvido.
Agora retrocedo, leio os versos,
Conto as desilusões no rol do coração,
Recordo o pesadelo dos desejos,
Olho o deserto humano desolado,
E pergunto porquê, por que razão
Nas dunas do teu peito o vento passa
Sem tropeçar na graça
Do mais leve sinal da minha mão..."


Miguel Torga

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Os silêncios da fala

"São tantos

os silêncios da fala

De sede

De saliva

De suor

Silêncios de silex

no corpo do silêncio

Silêncios de vento

de mar

e de torpor

De amor

Depois, há as jarras

com rosas de silêncio

Os gemidos

nas camas

As ancas

O sabor

O silêncio que posto

em cima do silêncio

usurpa do silêncio o seu magro labor".



Maria Teresa Horta

in Vozes e Olhares no Feminino,
Edições Afrontamento, Porto 2001, pp. 40, 41

sexta-feira, 5 de junho de 2009

O primeiro homem

"Era como uma árvore da terra nascida
Confundindo com o ardor da terra a sua vida,
E no vasto cantar das marés cheias
Continuava o bater das suas veias.

Criados à medida dos elementos
A alma e os sentimentos
Em si não eram tormentos
Mas graves, grandes, vagos,
Lagos
Reflectindo o mundo,
E o eco sem fundo
Da ascensão da terra nos espaços
Eram os impulsos do seu peito
Florindo num ritmo perfeito
Nos gestos dos seus braços".


Sophia de Mello Breyner Andresen
Obra Poética I
Caminho