domingo, 30 de novembro de 2008

CANÇÃO

Que noite d'encanto!
Que lúcido manto!
Que noite! amo tanto!
Seu mudo fulgor!
Oh! vem, ó donzela;
Não temas, ó bela,
Que a noite só vela
Quem sonha d'amor.

A luz infinita
Dos astros crepita,
Arqueja e palpita,
Serena a brilhar:
Assim o teu seio,
De casto receio,
De tímido enleio
Costuma pulsar.

A Lua, qual chama,
Que os seios inflama,
Fanal de quem ama,
Desponta no céu;
E a nítida fronte
Retrata na fonte
E estende no monte
Seu cândido véu.

E a fonte murmura
Por entre a verdura,
E ao longe d'altura
Lá desce a gemer:
Que sons, que folguedos!
Parece aos rochedos
Dizer mil segredos
D'infindo prazer.

Silêncio! o trinado
Lá solta enlevado,
Das noites o amado,
Da selva o cantor;
E o hino que entoa
No bosque ressoa,
E ao longe revoa,
Gemendo d'amor.

O facho da Lua
Co'a sombra flutua,
Avança e recua
No chão do jardim;
Nas asas da aragem,
Que agita a folhagem,
Recende a bafagem
Da rosa e jasmim.

Que noite d'encanto!
Que lúcido manto!
Que noite! amo tanto
Seu mudo fulgor!
Oh! vem, ó donzela;
Não temas, ó bela,
Que a noite só vela
Quem sonha d'amor.

Soares de Passos in Poesias
Lello & Irmão - Editores
Porto


SOY ESA FLOR

Tu vida es un gran río, va caudalosamente,
A su orilla, invisible, yo broto
dulcemente.
Soy esa flor perdida entre juncos y
achiras
Que piadoso alimentas, pero acaso ni
miras.

Cuando creces me arrastras y me muero en
tu seno,
Cuando secas me muero poco a poco en él
cieno;
Pero de nuevo vuelvo a brotar dulcemente
Cuando en los días bellos vas
caudalosamente.

Soy esa flor perdida que brota en tus
riberas
Humilde y silenciosa todas las primaveras.

Alfonsina Storni

PASIÓN

Unos besan las sienes, otros besan las
manos,
otros besan los ojos, otros besan la boca.
Pero de aquél a éste la diferencia es
poca.
No son dioses, que quieres? son apenas
humanos.

Pero, encontrar un día él espiritu sumo,
la condición divina en él pecho de un fuerte,
él hombre en cuya llama quisieras
deshacerte
como al golpe de viento las columnas de
humo!

La mano que al posarse, grave, sobre tu
espalda,
haga noble tu pecho, generosa tu falda,
y más hondos los surcos creadores de tus
sesos.

Y la mirada grande, que mientras te
ilumine
te encienda al rojoblanco, y te arda, y te
calcine
hasta el seco ramaje de los pálidos
huesos!

Alfonsina Storni

ESTA TARDE

Ahora quiero amar algo lejano...
Algún hombre divino
Que sea como un ave por lo dulce,
Que haya habido mujeres infinitas
Y sepa de otras tierras, y florezca
La palabra en sus labios, perfumada:
Suerte de selva virgen bajo el viento...

Y quiero amarlo ahora. Está la tarde
Blanda y tranquila como espeso musgo,
Tiembla mi boca y mis dedos finos,
Se deshacen mis trenzas poco a poco.

Siento un vago rumor...Toda la tierra
Está cantando dulcemente... Lejos
Los bosques se han cargado de corolas,
Desbordan los arroyos de sus cauces
Y las aguas se filtran en la tierra
Así como mis ojos en los ojos
Que estoy soñando embelesada...

Pero
Ya está bajando el sol de los montes,
Las aves se acurrucan en sus nidos,
La tarde ha de morir y él está lejos...
Lejos como este sol que para nunca
Se marcha y me abandona, con las manos
Hundidas en las trenzas, con la boca
Húmeda y tremblosa, con él alma
Sutilizada, ardida en la esperanza
De este amor infinito que me vuelve
Dulce e hermosa...

Poema da Alfonsina Storni - poeta Argentina

sábado, 29 de novembro de 2008

A TI

Oh! quão formoso me surge o dia
Lá quando a noite se inclina ao mar,
Quando na aurora que me extasia,
Teu belo rosto cuido avistar!
Não sei que esp'rança jamais sentida
Então me adeja no peito aqui;
É que na aurora saúdo a vida,
Outrora escura, sem luz, sem ti.

Correm as horas, a noite avança,
A Lua brilha com meigo alvor;
Então minha alma, que em paz descansa,
Divaga em sonhos d'ignoto amor.
No véu d'estrelas, na branca Lua
Meus olhos buscam olhos que eu vi,
E o pensamento longe flutua,
E uma saudade revoa a ti.

Eis que adormeço, e um anjo assoma
Todo cercado d'etérea luz;
De seus cabelos recende o aroma
Das castas rosas que o céu produz.
O céu me aponta, sorri-lhe a face;
Acordo, e o anjo foge dali;
Mas em meu peito logo renasce
Doce esperança que vem de ti.

Já pela terra surgem verdores,
Auras serenas baixam do céu,
As aves cantam novos amores,
Tudo se cobre dum flóreo véu;
E céus e terra, montes, paisagem,
Tudo a meus olhos, tudo sorri;
É que ali vejo só tua imagem,
É que hoje vivo, mas só por ti.

Talvez que eu sinta meu pobre enleio
Passar qual brilho de luz fugaz:
Que importa? ao menos dentro em meu seio,
Já morta a esperança, tu viverás.
Oh! sim, que os dias são mais serenos
Com tua imagem gravada ali;
Té mesmo a morte custará menos,
Junto ao sepulcro pensando em ti.

Soares de Passos in Poesias
Lello & Irmão - Editores
Porto

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Soneto do amor total - Repetição

"Amo-te tanto meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.
Amo-te enfim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude."


Vinícius de Moraes
Obras completas

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

A***

Acaso és tu a imagem vaporosa
Que me sorriu nos sonhos d'outra idade,
Como a luz da manhã sorri formosa
Nos espaços azuis da imensidade?
És tu esse astro que minha alma anela,
Que debalde busquei no amor da vida,
Qual busca o nauta bonançosa estrela
No meio da procela enfurecida?
Ah! se és esse ente que meu ser domina,
Se és essa estrela que meu fado encerra,
Se és algum anjo da mansão divina
Pairando sobre a Terra;
Já que baixaste a mim, já que a meu lado
Me apontaste sorrindo o etéreo véu,
Não me deixes na Terra abandonado,
Transporta-me ao teu Céu.


Soares de Passos in Poesias
Lello & Irmão - Editores
Porto

AMO-TE

Da aurora que surge com mantos lustrosos
Eu amo os sorrisos d'encanto sem fim;
Mas inda mais amo teus lábios formosos,
Teus lábios sorrindo d'amor para mim.

Eu amo as estrelas dos plainos infindos
Vertendo num lago sereno fulgor;
Mas inda mais amo teus olhos tão lindos
Vertendo em minh'alma seus raios d'amor.

Em serras, ao longe, cobertas de gelos,
As ondas eu amo d'argênteo luar;
Mas inda mais amo teus louros cabelos
Que em ombros de neve costumas soltar.

Da brisa das tardes eu amo os lamentos,
Dos bosques sombrios adoro o cantor;
Mas inda mais amo teus brandos acentos
Em ternos descantes, em quebros d'amor.

Eu amo a florinha d'ao pé da corrente,
E o cálice puro da nívea cecém;
Mas inda mais amo tu'alma inocente,
Tão pura que os anjos mais puros a não tem.

Eu amo dos astros a luz palpitante,
E as vagas longínquas arfando no mar;
Mas inda mais amo teu seio d'amante,
Unido a meu seio, d'amor a pulsar.

Eu amo na brisa, que doce murmura,
Colher os perfumes da rosa em botão;
Mas inda mais amo sorver a doçura
Dos beijos que, ardendo, teus lábios me dão.

Eu amo-te, eu amo-te, ó virgem celeste,
Meus dias na terra, minh'alma, são teus;
Eu amo-te, ó anjo, que à terra vieste,
O amor ensinar-me dos anjos dos céus.

Soares de Passos in Poesias
Lello & Irmão - Editores
Porto



quarta-feira, 26 de novembro de 2008

DECLARAÇÃO DE AMOR

Excita-me a tua presença, ó Árvore - ó Árvores todas!
Desejo-te (desejo-vos) como se fosses Carne, e eu Desejo.
Como se eu fosse o vento que preside às tuas bodas,
e te cicia em redor, e te fecunda num aliciante beijo.

Ponho os olhos em ti e entretenho-me a pensar que sou mãos,
todo mãos que te envolvem o tronco e te sacodem convulsivamente.
Requebras-te com volúpia, e os teus emaranhados cabelos louçãos
fustigam o ar como látegos, com toda a força a que este amor me consente.

Ó árvore minha débil! Ó prazer dos meus olhos extáticos!
Ó filtro da luz do Sol! Ó refresco dos sedentos!
Destila nos meus lábios as gotas dos teus ésteres aromáticos,
unge a minha epiderme com teus macios unguentos.

Desnuda-me a tua intimidade, ó Árvore! Diz-me a que segredos recorres
para te desenrolares em flores e em frutos num cíclico desvairio.
Porque é que tudo morre à tua volta e tu não morres,
e aceitas sempre o Amor com renovado cio.

Inicia-me nos teus mistérios, ó feiticeira dos cabelos verdes!
Ensina-me a transformar um raio de Sol em suculenta carnadura,
e nesses perfumes subtis que a toda a hora perdes,
prolongando o teu ser no ar que te emoldura.

É através de ti, ó Árvore, que celebro os esponsais entre mim e a Natureza.
É através de ti que bebo a nuvem fresca e mordo a terra ardente.
É de ti que recebo as leis do Amor e da Beleza.
Amo-te, ó Árvore, ó Árvore, apaixonadamente!

António Gedeão

NÃO PODE AMOR...

Ao Luís Vaz, recordando o convívio da nossa juventude

Não pode Amor por mais que as falas mude
exprimir quanto pesa ou quanto mede.
Se acaso a comoção concede
é tão mesquinho o tom que desilude.

Busca no rosto a cor que mais o ajude,
magoado parecer os olhos pede,
pois quando a fala a tudo o mais excede
não poder ser Amor com tal virtude.

Também eu das palavras me arredeio,
também sofro do mal sem saber onde
busque a expressão maior do meu anseio.

E acaso perde, o Amor que a fala esconde,
em verdade, em beleza, em doce enleio?
Olha bem os meus olhos, e responde.

António Gedeão

terça-feira, 25 de novembro de 2008

A UM TI QUE EU INVENTEI

Pensar em ti é coisa delicada.
É um diluir de tinta espessa e farta
e o passá-la em finíssima aguada
com pincel de marta.

Um pesar grãos de nada em mínima balança,
um armar de arames cauteloso e atento,
um proteger a chama contra o vento,
pentear cabelinhos de criança.

Um desembaraçar de linhas de costura,
um correr sobre lã que ninguém saiba e oiça,
um planar de gaivota como um lábio a sorrir.

Penso em ti com tamanha ternura
como se fosses vidro ou película de loiça
que apenas com o pensar te pudesses partir.

António Gedeão - Poesias

LE CHANT D'AMOUR

Voici de quoi est fait le chant symphonique de l'amour
Il y a le chant de l'amour de jadis
Le bruit des baisers éperdus des amants illustres
Les cris d'amour des mortelles violées par les dieux
Les virilités des héros fabuleux érigées comme des pièces
contre avions
Le hurlement précieux de Jason
Le chant mortel du cygne
Et l'hymne victorieux que les premiers rayons du soleil
ont fait chanter à Memnon l'immobile
Il y a le cri des Sabines au moment de l'enlèvement
Il y a aussi les cris d'amour des félins dans les jongles
La rumeur sourde des sèves montant dans les plantes
tropicales
Le tonnerre des artilleries qui accomplissent le terrible
amour des peuples
Les vagues de la mer où naît la vie et la beauté

Il y a là le chant de tout l'amour du monde

Apollinaire in Calligrammes
Poésies/Gallimard

sábado, 22 de novembro de 2008

POESIAS - 2 Eu ontem vi-te...

Eu ontem vi-te...
Andava a luz
Do teu olhar,
Que me seduz
A divagar
Em torno de mim.
E então pedi-te,
Não que me olhasses,
Mas que afastasses,
Um poucochinho,
Do meu caminho,
Um tal fulgor
De medo, amor,
Que me cegasse,
Me deslumbrasse,
Fulgor assim.

Ângelo de Lima, in Poesias Completas
Editorial Inova Limitada

FUMO

Longe de ti são ermos os caminhos
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninhos!

Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites invernosas...
Abertos, sonham mãos cariciosas,
Tuas mãos doces, plenas de carinhos!

Os dias são Outonos: choram... choram...
Há crisântemos roxos que descoram...
Há murmúrios dolentes de segredos...

Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!
E ele é, ó meu Amor, pelos espaços,
Fumo leve que foge entre os meus dedos!

Florbela Espanca - in Sonetos
Livraria Tavares Martins
Porto, 1974

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

FANTASIAS

Tenho, às vezes, desejos delirantes
De a todos te roubar, meu lírio amado!
E levar-te, em um vôo arrebatado,
Aos países fantásticos, distantes.

À Índia, China ou Irão, e os meus instantes
Passá-los a teus pés, grave e encruzado,
Num tapete chinês, aveludado,
Com flores ideais e extravagantes.

Nossa vida seria, ó pomba minha!
Mais leve do que a asa da andorinha...
E, nas horas calmosas, eu e tu...

Olhando o mar sereno, o mar unido,
Comeríamos os dois arroz cozido...
Embalados num junco de bambu!

(Gomes Leal) - in Claridades do Sul


quinta-feira, 20 de novembro de 2008

SE TU VIESSES VER-ME...

"Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...

Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...

Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri

E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti..."


Florbela Espanca - Charneca em Flor

sábado, 15 de novembro de 2008

o pássaro vindouro

Um pássaro é um pássaro, seja qual for o meridiano do lugar. Um rio é sempre um rio, seja qual for a latitude ou a extensão do seu curso. Uma oliveira é sempre uma oliveira, seja qual for a terra onde mergulhe as raízes. Mas em todas as palavras há um sentido oculto: para os poetas, por exemplo, o pássaro é um símbolo. Porque tem asas e canta. Porque é pequeno e frágil e inerme. Porque é belo, mesmo quando a plumagem não tem o colorido alacre dos cardeais e colibris. Porque é a imagem simples do que é bom e justo e verdadeiro. Porque é o amor.

Que podem entender, de um pássaro assim, os espíritos práticos com jeito para o negócio? Dentro deles, nunca habitou o Petit Prince: são pessoas irremediavelmente crescidas, a quem há que falar de gravatas, rendimentos, interesses bancários, aposentações, política interna e externa. É gente que, no respeito maquinal da Lei e dos Profetas, esqueceu o mandamento novo: «que vos ameis uns aos outros». Não os culpemos de terem, com a infância, perdido o jeito puro de aceitar naturalmente as flores, os pássaros, a vida: cresceram para um mundo adulto e sábio, onde todas as coisas têm o seu valor na balança comercial, onde os pássaros e flores são apenas pretexto para estudo e compêndios de botânica e zoologia.

Mas nem tudo está perdido. É ainda possível o milagre.

Um pássaro virá, na solidão nocturna, tocar-lhes com a asa o coração fechado. E à leveza do toque, hão-de abrir-se para o Mundo os olhos da cegueira, ansiosos da luz, que é amor, que é verdade e justiça. Com eles estará o Petit Prince, no doce mistério da infância reencontrada; e o cântico do pássaro vindouro será mais belo e forte do que nunca - porque eles são o filho pródigo finalmente regressado a casa de seu Pai.

(Daniel Faria) in discurso sobre a cidade
Editorial Presença

SEMPRE

Pensas que te não vejo a ti? Bom era!
Gravei tão vivamente n'alma a doce
E bela imagem tua, que eu quisera
Deixar de contemplar-te só que fosse
Um momento, e não posso, não consigo.

Foges-me, escondes-te e, que importa? esculpes
Mais fundo ainda os indeléveis traços!
Realça-te o retrato! E não me culpes!
Culpa-te antes a ti!... Sigo-te os passos!
Vejo-te sempre! trago-te comigo!

(João de Deus) in Campo de Flores Volume I
(livraria bertrand)

domingo, 9 de novembro de 2008

Soneto

"Se, para possuir o que me é dado,
Tudo perdi e eu própio andei perdido,
Se, para ver o que hoje é realizado,
Cheguei a ser negado e combatido.

Se, para estar agora apaixonado,
Foi necessário andar desiludido,
Alegra-me sentir que fui odiado
Na certeza imortal de ter vencido!

Porque, depois de tantas cicatrizes,
Só se encontra sabor apetecido
Àquilo que nos fez ser infelizes!

E assim cheguei à luz de um pensamento
De que afinal um roseiral florido
Vive de um triste e oculto movimento"



António Botto

Aves de Um Parque Real
As Canções de António Botto
Editorial Presença
1999

sábado, 8 de novembro de 2008

Boca Nem Sequer Beijada+Enchi Minhas Palavras...+Não era bem dos teus passos+O Poeta

BOCA NEM SEQUER BEIJADA!

Boca nem sequer beijada!
Ó boca vagamente aparecida!
Boca nascida
somente p'ra deixar na minha vida
a nostalgia de um lago
que nem gaivotas ensombram
nem auras leves agitam...

ENCHI MINHAS PALAVRAS...

Enchi minhas palavras de silêncio
e pela vez primeira nesta vida
teu coração rebelde as entendeu...

NÃO ERA BEM DOS TEUS PASSOS...

Não era bem dos teus passos
que a Poesia saía.

No entanto, se tu passavas,
na sombra azul dos teus passos
adivinhavam meus olhos
bailados de Poesia.

O POETA

Era nas suas mãos que terminavam
as coisas infinitas e as finitas.
Por isso as suas mãos eram abismos
aonde se perdia o Pensmento.

(Sebastião da Gama) in Cabo da boa Esperança
Edições Ática

CANTILENA

Cortaram as asas
ao rouxinol.
Rouxinol sem asas
não pode voar.

Quebraram-te o bico,
rouxinol!
Rouxinol sem bico
não pode cantar.

Que ao menos a Noite
ninguém, rouxinol!,
ta queira roubar.
Rouxinol sem Noite
não pode viver.

(Sebastião da Gama) in Cabo da Boa Esperança
Edições Ática

A Grande Dor Das Cousas Que Passaram

"A grande dor das cousas que passaram
transmutou-se em finíssimo prazer
quando, entre fotos mil que se esgarçavam,
tive a fortuna e graça de te ver.

Os beijos e amavios que se amavam,
descuidados de teu e meu querer,
outra vez reflorindo, esvoaçaram
em orvalhada luz de amanhecer.

Ó bendito passado que era atroz,
e gozoso hoje terno se apresenta
e faz vibrar de novo minha voz

para exaltar o redivivo amor
que de memória-imagem se alimenta
e em doçura converte o próprio horror!"


Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

ÚLTIMO SONETO

Que rosas fugitivas foste ali!
Requeriam-te os tapetes, e vieste...
- Se me dói hoje o bem que me fizeste,
É justo, porque muito te devi.

Em que seda de afagos me envolvi
Quando entraste, nas tardes que apareceste!
Como fui de percal quando me deste
Tua boca a beijar, que remordi...

Pensei que fosse o meu o teu cansaço -
Que seria entre nós um longo abraço
O tédio que, tão esbelta, te curvava...

E fugiste... Que importa? Se deixaste
A lembrança violeta que animaste,
Onde a minha saudade a Cor se trava?

(Màrio de Sá-Carneiro) - Poesias
Edições Ática

SILÊNCIO

Senta-te aqui a meu lado
e não digas nada
chega que olhes
e sintas
o silêncio das palavras
que tenho para ti

Não digas nada
escuta o meu olhar
e sente
palavras pensamento
e o resto
é só amar

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

A UNA DAMA MUY BLANCA, VESTIDA DE VERDE

Cisne gentil, después que crespo el vado
dejó, y de espuma la agua encanecida,
que al rubio sol la pluma humedecida
sacude, de las juncias abrigado;

copos de blanca nieve en verde prado;
azucena entre murtas escondida;
cuajada leche en juncos exprimida;
diamante entre esmeraldas engastado,

no tienen que preciarse de blancura
después que nos mostró su airoso brío
la blanca Leda en verde vestidura.

Fue tal, que templó su aire el fuego mío,
y dio, con su vestido y su hermosura,
verdor al campo, claridad al río.

(Luis de Gongora) - Sonetos Completos
Clásicos Castalia