quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

A escrita é a minha primeira morada de silêncio


A escrita é a minha primeira morada de silêncio
a segunda irrompe do corpo movendo-se por trás das palavras
extensas praias vazias onde o mar nunca chegou
deserto onde os dedos murmuram o último crime
escrever-te continuamente... areia e mais areia
construindo no sangue altíssimas paredes de nada
esta paixão pelos objectos que guardaste
esta pele-memória exalando não sei que desastre
a língua de limos
espalhávamos sementes de cicuta pelo nevoeiro dos sonhos
as manhãs chegavam como um gemido estelar
e eu perseguia teu rasto de esperma à beira-mar
outros corpos de salsugem atravessam o silêncio
desta morada erguida na precária saliva do crepúsculo

***

Al Berto (1948 - 1997)

Coimbra (Portugal)

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Saudades


Saudades! Sim.. talvez.. e por que não?...

Se o sonho foi tão alto e forte

Que pensara vê-lo até à morte

Deslumbrar-me de luz o coração!



Esquecer! Para quê?... Ah, como é vão!

Que tudo isso, Amor, nos não importe.

Se ele deixou beleza que conforte

Deve-nos ser sagrado como o pão.



Quantas vezes, Amor, já te esqueci,

Para mais doidamente me lembrar

Mais doidamente me lembrar de ti!



E quem dera que fosse sempre assim:

Quanto menos quisesse recordar

Mais saudade andasse presa a mim!



Florbela Espanca, "Livro de Sóror Saudade"

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Os Teus Olhos

"Direi verde 

do verde dos teus olhos 

de um rugoso mais verde 
e mais sedento 

Daquele não só íntimo 
ou só verde 

daquele mais macio    mais ave 
ou vento 

Direi vácuo 
          volume 
direi vidro 

Direi dos olhos verdes 
os teus olhos 
e do verde dos teus olhos direi vício 

Voragem mais veloz 
mais verde 
            ou vinco 
voragem mais crispada 
ou precipício"

Maria Teresa Horta, in 'Candelabro' 

Morrer de Amor



"Morrer de amor

ao pé da tua boca


Desfalecer

à pele

do sorriso


Sufocar

de prazer

com o teu corpo


Trocar tudo por ti

se for preciso"

Maria Teresa Horta