terça-feira, 28 de agosto de 2012

APELO


Atravessa os campos da noite
e vem.

A minha pele
ainda cálida de sol
te será margem.

Nas fontes, vivas,
do meu corpo
saciarás a tua sede.

Os ramos dos meus braços
serão sombra romorejante
ao teu sono, exausto.

Atravessa os campos do sono
e vem.



LUÍSA DACOSTA, in "A MARESIA E O SARGAÇO DOS DIAS" (Asa, 2011)

COM O HORIZONTE PERTO DO INFINITO

Com o coração
ao pôr-do-sol
voo sem asas na quietude do mar
no caminho onde me entendes
mergulhos invisíveis
daquilo que não digo...

Embalo ao relento
uma nova emoção
entre as duas mãos
no colo da tua alma
a reinventar o espírito
perdido das fontes divinas...

Levito ao som das águas
no perfume das açucenas
que se fixaram ao corpo
na silhueta da vida em prumos...

Tal falésia rasgada pelo vento
imponente e firme
sangram das rochas o sal
e do olhar os sorrisos
de uma vista longa
com o horizonte perto do infinito
que toco com o crer de uma razão
no chão que piso com o coração!

ANA COELHO (a publicar)


domingo, 19 de agosto de 2012

Beijemo-nos, apenas...


Não. Beijemo-nos, apenas,
Nesta agonia da tarde.

Guarda
Para um momento melhor
Teu viril corpo trigueiro.

O meu desejo não arde;
E a convivência contigo
Modificou-me - sou outro...

A névoa da noite cai.

Já mal distingo a cor fulva
Dos teus cabelos - És lindo!

A morte,
devia ser
Uma vaga fantasia!

Dá-me o teu braço: - não ponhas
Esse desmaio na voz.

Sim, beijemo-nos apenas,
Que mais precisamos nós?


Catulo, Carmina, Tradução de António Botto.

Fonte: http://cseabra.utopia.com.br/poesia/poesias/0135.html

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Poema de Amor

Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.
E é o que eu sei fazer com mais delicadeza!

A nossa natureza
Lusitana
Tem essa humana
Graça
Feiticeira
De tornar de cristal
A mais sentimental
E baça
Bebedeira.

Mas ou seja que vou envelhecendo
E ninguém me deseje apaixonado,
Ou que a antiga paixão
Me mantenha calado
O coração
Num íntimo pudor,
— Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.

Miguel Torga, in 'Diário V'

domingo, 12 de agosto de 2012

O Espírito

Nada a fazer amor, eu sou do bando

Impermanente das aves friorentas;

E nos galhos dos anos desbotando

Já as folhas me ofuscam macilentas;


E vou com as andorinhas. Até quando?

À vida breve não perguntes: cruentas

Rugas me humilham. Não mais em estilo brando

Ave estroina serei em mãos sedentas.


Pensa-me eterna que o eterno gera

Quem na amada o conjura. Além, mais alto,

Em ileso beiral, aí espera:


Andorinha indemne ao sobressalto

Do tempo, núncia de perene primavera.

Confia. Eu sou romântica. Não falto.



Natália Correia, in "Poesia Completa"


O Espírito

Nada a fazer amor, eu sou do bando

Impermanente das aves friorentas;

E nos galhos dos anos desbotando

Já as folhas me ofuscam macilentas;


E vou com as andorinhas. Até quando?

À vida breve não perguntes: cruentas

Rugas me humilham. Não mais em estilo brando

Ave estroina serei em mãos sedentas.

Pensa-me eterna que o eterno gera

Quem na amada o conjura. Além, mais alto,

Em ileso beiral, aí espera:


Andorinha indemne ao sobressalto

Do tempo, núncia de perene primavera.

Confia. Eu sou romântica. Não falto.



Natália Correia, in "Poesia Completa"